sábado, 7 de setembro de 2013

Fragmento II de um novo diálogo

Quando criança eu só gostava das cantigas tristes.


Eu era uma criança sorridente inclinada à organização. logo entendi do funcionamento dos jogos e acumulei manuais. se houvessem árbitros de juízo humano teria subido ao pódio dezenas de vezes. os adultos acham bonitinho uma criança que lhes imita os métodos, os caprichos, foram logo achando graça dessa brincadeira de sério que era, na verdade, assepsia. por julgar que não era eficiente em ser criança, fui logo envelhecendo,  pulando as primeiras vezes, trocando o cadarço por uma sapatinha, os joelhos esfolados por meias de seda, deixando que as dúvidas de sexo se resolvessem com o sexo precoce. fui pulando os dias naquelas cantigas de roda. fui saltando os meses entre bocas e pernas. fui aprimorando minhas máscaras, desacelerando minha pressa e cheguei aqui, bem diante de você. e falo com um riso frouxo no canto dos lábios, para que os outros vejam que posso ser tão feliz quanto eles. encosto um cigarro e fumo e bebo e cheiro e trepo. encosto meu nariz em suas costas, em seu peito, e sou tão pequena. uma coisa esquisita acontece nesse ponto, em que parece que vou desmanchar e me valer como poça de sujeira. o nariz arde por dentro, quando escorrega uma lágrima-cicatriz pela laringe, faringe e brônquios, que prendo pra não lavar você com tanto passado suprimido. mas ficará tudo bem porque vejo que o céu elevará meus pulmões, que são nuvens carregadas de micro gotículas de água que já pesadas sucumbirão para adubar a terra que seca em seu peito. vou primaverar você.