sábado, 7 de setembro de 2013

Fragmento II de um novo diálogo

Quando criança eu só gostava das cantigas tristes.


Eu era uma criança sorridente inclinada à organização. logo entendi do funcionamento dos jogos e acumulei manuais. se houvessem árbitros de juízo humano teria subido ao pódio dezenas de vezes. os adultos acham bonitinho uma criança que lhes imita os métodos, os caprichos, foram logo achando graça dessa brincadeira de sério que era, na verdade, assepsia. por julgar que não era eficiente em ser criança, fui logo envelhecendo,  pulando as primeiras vezes, trocando o cadarço por uma sapatinha, os joelhos esfolados por meias de seda, deixando que as dúvidas de sexo se resolvessem com o sexo precoce. fui pulando os dias naquelas cantigas de roda. fui saltando os meses entre bocas e pernas. fui aprimorando minhas máscaras, desacelerando minha pressa e cheguei aqui, bem diante de você. e falo com um riso frouxo no canto dos lábios, para que os outros vejam que posso ser tão feliz quanto eles. encosto um cigarro e fumo e bebo e cheiro e trepo. encosto meu nariz em suas costas, em seu peito, e sou tão pequena. uma coisa esquisita acontece nesse ponto, em que parece que vou desmanchar e me valer como poça de sujeira. o nariz arde por dentro, quando escorrega uma lágrima-cicatriz pela laringe, faringe e brônquios, que prendo pra não lavar você com tanto passado suprimido. mas ficará tudo bem porque vejo que o céu elevará meus pulmões, que são nuvens carregadas de micro gotículas de água que já pesadas sucumbirão para adubar a terra que seca em seu peito. vou primaverar você. 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Uma pedra roubada presa a um cordão é carregada pela nudez de uma menina, desce pelos seus pequeninos seios e esconde-se em seu ventre. A serenidade com que a retira do esconderijo e mostra ao rapaz atordoa-o. Qual seria o sentido de um segredo vir a tona motivado pela sutileza de um gesto? O que ela procura é absolutamente impossível de se concretizar, ele pensa e afasta-se. Supostamente, ela imagina a retribuição do segredo com outro, o que seria a única lógica empregável à patética cena, ele fala achando ter pensado. Não é cena, é experiência, percebe? Não quis dizer que você é patética, só não acho correto sair revelando-se por aí, qual o sentido disso se em pouco tempo irei embora carregando seus íntimos desejos? por que revelar-se agora se ainda não estou pronto para compreender o que isso significa? como poderia compreendê-la e então partilhar dessa experiência se sou tão ou mais desértico que você? mas percebe se tratarem de desertificações diferentes? estou devastado, aqui é tudo ermo e sôfrego, as sementes caem mas as plantas não fincam raiz, os peixes morrem de sede no mar, as linhas se trançam sem se tocar, tem muita música e poesia presa nas vísceras, se lhe der algo eu morro e morrendo morremos os dois. seu deserto não é este, é descampado, é sazonal, você é abandono e entrega: se despovoa e se desprende, perde-se nas entranhas - suas e minhas - e derrama até a última gota, quando então já não lhe sobrar nada se perderá ainda mais em uma entrega sem fim; você é um deserto de acumulação sem renúncia.  patético sou eu, se eu tiver mesmo que ir embora, não saberei como reivindicar meu pedaço de solidão, qual parte de você sou eu nesse instante. se eu for e porque nunca fui capaz de despir-me de todo, como encarar sua nudez que é tanta soma e me sobra tanta falta? você acha possível acreditar que meu deserto fica menor com o seu? 
E acreditou por três noites.

sábado, 4 de maio de 2013

Querelas

Ela dança. Ela pensa que dança só por ela e para si. O que ela pensa que não sabe é que isso é só mais uma demonstração de sua vaidade solúvel. À medida que dança, seus olhos se desviam a procura dos que a seguem, nessa circunstância são pelo menos quatro os que lhe interessam foco. Assume admiração por um dos pares; o outro é desprezo.

Ela sai e dança. E bebe. Ela pensa que a olham. E pensa que o despreza e que se vinga à medida que sorri para o outro.

Ela sai e pensa que dança. Sua vaidade lhe controla os movimentos. Ela finge que não dança organicamente com seus gestos pré-concebidos. Ela queria conhecer melhor as regras.

Ela usa um batom vermelho e julga vaidade. Ela deixa de fazer as coisas que acha que gosta em nome do que considera necessário para formar a persona que as manipula. Assim como a construção de um adereço complexo exige um plano, ela tem o seu. Ela ajusta minuciosamente os detalhes para criar uma estrutura sólida que lhe trará uma segurança que ninguém pode lhe oferecer e ela sai.

Ela pensa que é segura e dança. Dança com os olhos fechados e os braços abertos. E pensa que alguém a olha, ela reconhece os olhares, mas timidamente se fecha. Ela só quer chegar a casa, tomar seu chá, livrar-se das orações e ressignificá-las.

Ela dança. Ele olha. Ele se aproxima e nada diz. Ele pode cheirar seus cabelos, tocar sua nuca, tirar-lhe a roupa e deixá-la nua, só não pode levar-lhe as ilusões. E ele leva.

Talvez ela tenha saído - não se sabe -, talvez tenha se perdido, sufocada. Falta-lhe o sentido para explicar o que passa e despreza-se. E na tentativa de se compadecer se transmuta no outro e na alteridade o despreze. Como enojar-se no reflexo do outro.


 E mergulha: nesse rito dansa, sinuosamente, ansiosamente.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

E vive na dor a única maneira de se suportar.

Da última vez que a vi ela ainda era aquela figura fragilmente adorável e, por isso, insuportável para toda uma vida. Dessas que a gente sente um desprezo amargo e uma vontade incontrolável de fazê-la - a criatura - arrepender-se de tentar nos confortar.
Ela tem aquele sorriso de compaixão de quem diz: eu sei o que te aflige. A vontade é de fazê-la engolir toda essa dedicação gratuita.
Você não tem e não deve ficar aqui, recolhendo meus cacos e me ajudando a levantar, tenha amor próprio! Não entende nada sobre sofrimento, você é vazia. O que queres de mim? É esse desejo de sexo? De partilhar algum conhecimento que só pertence a mim?
Diz que isso. É o máximo. Que aí eu poderei dizer-te:
Leva tudo.
Fica com tudo, que eu já não sou e já não tenho nada que compartilhar.

Você nunca dirá que pelo dinheiro. Sua estúpida. Por que não pode ser como as outras? E entender que eu não tenho nada a te oferecer?
E vem me dizer de amor. Chora. Implora a meus pés.

O que ainda faz aqui?
Vai embora com o pouco orgulho que te resta. Eu não vou ficar por você. Você é a única que ainda insiste nessa de eu ainda ter algum sentimento e tem como meta de vida descobri-lo. Você acha que será a responsável por uma mudança de hábitos, que secarei meu copo e me livrarei dos cigarros, que será a única para mim.

Menina, há outra garota na minha cama. Há outra no meu sexo. Venha ver, eu te levo pela mão. Você não enxerga que nada mudou? Você não percebe que está investindo seu tempo em alguém que não está interessado?

Venha menina, senta no meu colo. Vou te dar um beijo agora. Você precisa descansar. Shiu, eu já não sinto culpa, pode cochilar, você fez um bom trabalho.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

E dessa vez, nem bastará o verão.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Emptiness

São as palavras erradas pra dizer: a dor e o medo habitam e instauram-se. Eu não vou saber levantar. Eu sei, não precisa falar do seu limite.

Eu vi que isso ia acontecer. Não precisa falar nada. Eu sei.

O vazio deixa um espaço, mas por favor não fica. You’re always waiting. I may you find all your relations will keep you free, don’t you feel bad.

Listen, the winter started.

...

O nome parece bom. E a causa também.

Começar é sempre um processo de abandono e entrega – ousarão dizer. Ah, a música é Don’t let the sun go down on me, minha querida. E não é o som chiado, poluído, que tocaria o vinil, já não tem esses purismos.
É menina, você tem razão e diz que o motivo é a música como instrumento, primeiro, de abandono e isolamento. Talvez você esteja certa.
É. Talvez.

- Deveria ter te dito isso, não é?
- O quê?

- Que te parece “sertão”?
- O que tá dentro?
- É, o que tá em toda parte.
- E a causa?


- Precisa isso tudo?
- Deveria ter te dito, não é?
- Deveria.

E se eu começasse pelo fim?
…Me dá a mão?
- Você sabe que eu nunca seria capaz disso.
- É menina; é por isso que te mantenho tão presa a mim. Você estava certa: é tudo desassossego. Você pode ficar essa noite, mas talvez prefira saber do silêncio, que é tudo que te ofereço por hoje. Eu sei do seu desejo em abrir a cortina, mas essa noite não deixe a luz sufocar, ouçamos 4’33”.