domingo, 14 de novembro de 2010

O meu desprezo é a tristeza disfarçada em festa.

domingo, 7 de novembro de 2010

Digestão

Ela vai morrer. 2 minutos é o tempo.
As vezes é preciso morrer.
A cabeça projeta o fundo, qual será o tamanho da queda?
O arrepio na coluna, o fascínio na entrega, ela vai desfalecer. É o limiar, ao menos se suportasse esse fascínio que a consome.

Ela é encantadora no modo descompromissado em admirar a noite, ele pensa, e se aproxima. Beija seu ombro. Ela se faz bonita. Ela não é bonita, não se trata de beleza, é alguma outra coisa. São os olhos doloridos mais bonitos e vertiginosos que já se viu, o mergulho não tem volta.

Ela se deita na cama, mas ainda está no asfalto. Não é nojo, ou remorso. Exaustão de si. Ela precisa recolher-se para outra vida, faz tempo que não é outra.

Ela vai embora, deixar o homem nu dormir, o cigarro é só o processo de transformação na rua. O álcool começou com a necessidade de se abandonar nas sarjetas. É preciso se abandonar pra recomeçar pelos cacos. Onde foi que se perdeu?

Um quarto com cama concretada, o cheiro de mofo se mistura ao álcool, ao sexo. Tem um corpo na cama que dorme nu.

Mas ela não quer analgésico. Dose única. E vive na dor a única maneira de se suportar.

domingo, 26 de setembro de 2010

História de amor.

Depois, saímos juntos, mãos dados. Logos elas, tão minhas, tão sós, agora passeiam unidas, distribuindo sua ternura que é de poucos.
Toco-lhe a face, num desses gestos maternais, e sinto como se nunca mais fosse se afastar de mim, socorria-me de perto de minha própria solidão.
Pouco antes, um daqueles dias de intensa atividade criadora. Queria devorar todas as palavras, os dedos digitavam com raiva com vigor de destroçar a alma. Saí morta da sala e a noite já se anunciara há horas. Percebi que o momento de consciência anterior fora na pausa do café, não notei os outros me deixando na sala só. Sofrivelmente só.
Quando me dei conta do transe, arrastei-me, morta, ao destino, me pareceu terrivelmente aceitável o regresso. O triste regresso, já sem o trânsito, sem o público, sem a inquietação e com a insuportável tranqüilidade de rejeitar o convívio. Vazia. Na incômoda quinta-feira esquecida da existência.
Ainda frígida pisei no elevador ao encontro do único verdadeiramente humano que freqüentava o lugar com sua doçura, com seu modo, ao mesmo tempo tímido e ousado, de discordar com tudo e me buscar como aliada. O jeito de achar minha mesa cheia de café para tirar-me da consternação, ou de achá-la, só, e mostrar sua presença com algum doce ao em cima dos papeis. O relacionamento que só tínhamos ali, na ausência dos outros, parecia que o público nos afligia e prontamente mantínhamos nossas piadas internas, nossa personalidade comum e nossas vidas distantes.
Ele me tirou um sorriso. Foi curioso o encontro, dessa vez ele me deixou morrer, não me resgatou de mim como costumara fazer. Mas então notei que não era um resgate o que fazia, e sim um sopro de vida, como naquele momento que me roubou dos lábios o sorriso.
Era dado à casa e sempre precisou de companhia, por quê não me procurou antes?
A conversa que mantínhamos foi atacada pelo elevador que se resolveu ficar e nos manter presos ali, como presos a um destino comum. Acho que ele interpretou com maior requinte, já que era preso aos detalhes e aos hábitos, ao apelo da circunstância. E o vi, aproximar-se, como numa revelação, a tocar-me com fúria e pressa. A despentear-me como num favor aclamado. Como se a mim me desse a chave para nunca mais precisar-lhe.
E então pensei naquela que o esperava em casa, pensei nele com pena. Senti dor por ele. Queria pô-lo em meu colo para acabar com aquela aflição que o mantinha preso as minhas coxas. E tentei, sobriamente, acalentá-lo lembrando-lhe que era querido, que era esperado com ansiedade em casa. Mas não queria ouvir-me, apenas saciar sua vontade de mim. Tentei buscar argumentos que explicassem aquele anseio. Ele então chorou e deitou-se ao meu lado assim que saciou sua busca. Ainda sim parecia vazio, aos prantos. O recolhi nos meus braços, acariciava seus cabelos e beijei sua testa, como uma mãe faria por um filho que a mortificasse. E então beijei suas lágrimas, seus lábios e deixei que me levasse pelas mãos longe do medo e do fim.

domingo, 19 de setembro de 2010

Bárbara

O pó se acumula.
Mas é preciso que haja algo que se faça em excesso. Afinal, cansei de economizar nas promessas.

Há sempre o álcool a mão, a dor contida no meio litro.

Sempre a mesma tentativa de recomeço que termina no desgosto do encontro. A repugnância naqueles que pretendem furar o exílio e chamar-me pro café. Por quê dessa necessidade de salvar-me do retiro?

Deixe-me cá! Só com os meus ácaros! Que esses; conheço de nome e do mal que me causam.

Não minha cara, o desprezo não é uma marca de personalidade ensaiada com ânimo. É apenas consentimento.

Talvez você devesse aparecer. Comentar o ar viciado, abrir as janelas, acabar com a comida da geladeira, procurar o doce, fazer-me sair até o supermercado – só pra te receber. Para minha infelicidade acordar com seus cabelos enroscados nos meus. Seu hábito de acordar cedo, usar meu secador, meus chinelos, invadir minha cozinha, fazer meu café. Contar-me as epopéias da época, suas piadas curiosas, seu jeito de comentar as notícias e acabar com o yogurt. Conversar de manhã! Hábito horrível esse seu.

Talvez você devesse aparecer. Usar meus sapatos, meus casacos, impregnar seu cheiro na minha cama. Confundir sua vida na minha, seus vestidos no cabide, duas escovas, duas canecas de manhã.

Talvez você devesse aparecer.
Me fazer feliz.

sábado, 28 de agosto de 2010

Metalinguística

Neva aqui.
Há festa lá fora. Dentro de algum lugar, alguma bebida gelada, algum reencontro. Gente trepando na sala. Gente gozando no banheiro.
Fim de ano, todos querem gozar.

Onde deixei o cachecol?
Merda esses sapatos.

A nudez na tela é o texto sem corpo, sem vida.
O medo é a nudez do texto, a vida que seca sem anúncio.

Começo de ano parece o mesmo: o fôlego insuficiente para tudo, a preguiça diante do todo, incerto, inseguro, que parece nada para versos. Nada que evidencie as mazelas, são todas dramáticas e áreas para o exercício, nada tem a ver com a disciplina, a disciplina só faz nascer a rudeza das linhas, forçosas e sofridas.
O fim destrói as insipientes intenções de mudanças. Esse ano seria bom. Ao fim, desesperados, são todos dados a si mesmos. Depositar tudo na gaveta e abrir a cerveja. É enfim o natural, correr certos riscos e se afogar.

- Toma café?
- Cerveja.
- Escrevendo?
- Há sempre o que revelar.
- Gostei dos sádicos.
- Também quer um conto?
- Não. Você prefere sexo.
- Você o texto. Mas pra mim é tudo a mesma merda.

- Menina, preciso de cigarros. Não é um fim. Não sei nem onde deixei o inverno.. é só prévia de um verão. E verão, você sabe minha querida, não me pertence, é dor e riso. Você, minha menina, é então minha perdição – felicidade sem culpa ou atraso. Um dia chego pro café, na ressaca pros seus braços, cansado, fim de verão, hoje, meu amor, sou só deteriorização.

- O chá é sempre servido as sete. Mesa posta. Dois lugares. Não se faz necessário agendar o café, espero impaciente, mas não se bebe frio.

domingo, 14 de março de 2010

Embarque

Era quase nove. Uma hora e meia de um último futuro. Nas mãos um livrinho triste de capa azul. O lugar era grande com um monte de corpos circulantes, cheios de pressa, não a dela. Seus olhos eram de Repente, as vezes se perdiam na multidão, mas voltavam fatigados do retorno. Queriam se perder de vez.
Eles a odiavam por viverem naufragados. Eram repentes, o normal seria viver em música. Agora estavam embargados e se perguntavam, alguns passantes, se ainda havia chance de um final feliz para a capa azul.
Às nove e quinze as alças nas mãos é vivo o naufrágio. A sua pressa sempre se intimida com a imensidão do mar.
Foi ressaca.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Amantes

O cheiro de café perfuma a casa, o vento bate na porta são ondas quebrando. Lá fora é tudo solidão. É possível um farol romper a escuridão, na mesma sintonia ofegante da sua timidez.
Você fica parado, joelhos juntos, os lábios semi abertos quase deixando escapar uma frase, que seria algo bobo, seria: você é toda a beleza. Eu riria, parece que você sabe, e não diz nada porque o que gostaria de dizer acabaria em dois lábios unidos em paixão febril.
É um rito iniciante. Há, em você, todo o compromisso, a ansiedade, espera, coração acelerado, e parece piorar quando você nota minha tranqüilidade. Eu gosto de observar, vê-lo desviando o olhar, se agitando, levantando e balançando os braços sem parar. Eu rio. Você fica sem graça, de pé. Levanto, a caminho do mar, tiro o vestido. Depois de ganhar alguma distância você nota a chance e corre ao meu encontro. Parados, paralelamente, nos encaramos algum tempo, você fingi não notar minha nudez. Suas mãos estão nos meus cabelos, os dedos deslizam pela face, te beijo.
Você ainda tem os olhos fechados quando me afasto com um riso, corro ao mar, a água é gelada, já passou das dez, ela me toca lentamente, o frio corre a espinha. Você logo atrás, parece que não consegue parar de me beijar, beija meu pescoço, minha nuca. O céu está bonito, há muitas estrelas.
Você me cansa, não repara o céu, não repara o mar, a lua está no céu, está no mar. É igual a todos.
Estivemos no mar, na casa. Nunca no céu, sua imensidão, nunca será nossa, será sempre minha solidão.
Partilhá-la seria um jeito insano de entrega.

É a única coisa que nunca poderá me pedir, mas você não vai. Ela é sempre ignorada, por ser posta como ferida aberta que ninguém espera cicatrizar.
Ela sempre sangra e quando é hemorragia causa aplausos. Sangra pelas bordas, frestas, sangra na mesa do bar, na festa. Às vezes eu a recolho, a mantenho estancada e penso um novo amante. Ela sempre rompe e lava o outro, eles se vão e a dor dos pontos nunca nota que será hemorragia novamente.

El dulce aroma de Ron é o suicídio a cada ponto.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Undead

Ela gosta do café bem amargo é o jeito que encontrou de comprovar a vida. O nível de amargura é como sobreviver àquele encontro em que os dois sabem o que os espera, que é só uma questão de ritmo para que dancem tranquilamente por vários salões.
É uma questão de espera, as mãos são tremulas, a garganta coça, o estômago em jejum.
Ela tem convicção que nem todo café pode vir acompanhado com um biscoito, embora seja o que todos procuram. Nem sempre há oportunidade, ou tempo suficiente, para a água tônica e então acabamos carregamos, sempre, as experiências anteriores. Assim, o café nunca é somente café, é qualquer outra coisa que agrada no primeiro gole, mas é apenas uma questão de tempo até aceitarmos sua amargura.
Todo o açúcar é adereço, o disfarce para toda nossa necessidade. Aceitar é só uma forma de se condicionar, que mesmo com outras torrações é sempre igual, é um ritual, é sempre o mesmo, não faz diferença, mas dá o sopro de coragem: Nous sommes mort!
Ela gosta do amargo do café porque por mais que seja sempre igual há sempre um consolo no primeiro gole: Nous sommes vivants.

Nous sommes malheureusement morts-vivants.



Viver ou morrer é só acaso, não ao acaso.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Começo de ano é, tudo, abandono.
........Às traças. Às taças.
O copo sempre cheio, a cabeça sempre cheia e o corpo
......................................................................................parindo.

A consciência na gaveta. O sexo na mesinha. O sexo..

Começo de ano é, tudo, pó.
..............Às traças. Às desgraças.
A cabeça sempre cheia, o corpo sempre cheio, o copo
.....................................................................................perdido.

Belas frases e poemas é a ressaca evitada.
O copo sempre cheio, o corpo sempre cheio e a cabeça
.....................................................................................explodindo.

Outra dose. Mais uma. Vinte. Que seja, me vê logo uma loucura pra viagem.