domingo, 26 de setembro de 2010

História de amor.

Depois, saímos juntos, mãos dados. Logos elas, tão minhas, tão sós, agora passeiam unidas, distribuindo sua ternura que é de poucos.
Toco-lhe a face, num desses gestos maternais, e sinto como se nunca mais fosse se afastar de mim, socorria-me de perto de minha própria solidão.
Pouco antes, um daqueles dias de intensa atividade criadora. Queria devorar todas as palavras, os dedos digitavam com raiva com vigor de destroçar a alma. Saí morta da sala e a noite já se anunciara há horas. Percebi que o momento de consciência anterior fora na pausa do café, não notei os outros me deixando na sala só. Sofrivelmente só.
Quando me dei conta do transe, arrastei-me, morta, ao destino, me pareceu terrivelmente aceitável o regresso. O triste regresso, já sem o trânsito, sem o público, sem a inquietação e com a insuportável tranqüilidade de rejeitar o convívio. Vazia. Na incômoda quinta-feira esquecida da existência.
Ainda frígida pisei no elevador ao encontro do único verdadeiramente humano que freqüentava o lugar com sua doçura, com seu modo, ao mesmo tempo tímido e ousado, de discordar com tudo e me buscar como aliada. O jeito de achar minha mesa cheia de café para tirar-me da consternação, ou de achá-la, só, e mostrar sua presença com algum doce ao em cima dos papeis. O relacionamento que só tínhamos ali, na ausência dos outros, parecia que o público nos afligia e prontamente mantínhamos nossas piadas internas, nossa personalidade comum e nossas vidas distantes.
Ele me tirou um sorriso. Foi curioso o encontro, dessa vez ele me deixou morrer, não me resgatou de mim como costumara fazer. Mas então notei que não era um resgate o que fazia, e sim um sopro de vida, como naquele momento que me roubou dos lábios o sorriso.
Era dado à casa e sempre precisou de companhia, por quê não me procurou antes?
A conversa que mantínhamos foi atacada pelo elevador que se resolveu ficar e nos manter presos ali, como presos a um destino comum. Acho que ele interpretou com maior requinte, já que era preso aos detalhes e aos hábitos, ao apelo da circunstância. E o vi, aproximar-se, como numa revelação, a tocar-me com fúria e pressa. A despentear-me como num favor aclamado. Como se a mim me desse a chave para nunca mais precisar-lhe.
E então pensei naquela que o esperava em casa, pensei nele com pena. Senti dor por ele. Queria pô-lo em meu colo para acabar com aquela aflição que o mantinha preso as minhas coxas. E tentei, sobriamente, acalentá-lo lembrando-lhe que era querido, que era esperado com ansiedade em casa. Mas não queria ouvir-me, apenas saciar sua vontade de mim. Tentei buscar argumentos que explicassem aquele anseio. Ele então chorou e deitou-se ao meu lado assim que saciou sua busca. Ainda sim parecia vazio, aos prantos. O recolhi nos meus braços, acariciava seus cabelos e beijei sua testa, como uma mãe faria por um filho que a mortificasse. E então beijei suas lágrimas, seus lábios e deixei que me levasse pelas mãos longe do medo e do fim.

domingo, 19 de setembro de 2010

Bárbara

O pó se acumula.
Mas é preciso que haja algo que se faça em excesso. Afinal, cansei de economizar nas promessas.

Há sempre o álcool a mão, a dor contida no meio litro.

Sempre a mesma tentativa de recomeço que termina no desgosto do encontro. A repugnância naqueles que pretendem furar o exílio e chamar-me pro café. Por quê dessa necessidade de salvar-me do retiro?

Deixe-me cá! Só com os meus ácaros! Que esses; conheço de nome e do mal que me causam.

Não minha cara, o desprezo não é uma marca de personalidade ensaiada com ânimo. É apenas consentimento.

Talvez você devesse aparecer. Comentar o ar viciado, abrir as janelas, acabar com a comida da geladeira, procurar o doce, fazer-me sair até o supermercado – só pra te receber. Para minha infelicidade acordar com seus cabelos enroscados nos meus. Seu hábito de acordar cedo, usar meu secador, meus chinelos, invadir minha cozinha, fazer meu café. Contar-me as epopéias da época, suas piadas curiosas, seu jeito de comentar as notícias e acabar com o yogurt. Conversar de manhã! Hábito horrível esse seu.

Talvez você devesse aparecer. Usar meus sapatos, meus casacos, impregnar seu cheiro na minha cama. Confundir sua vida na minha, seus vestidos no cabide, duas escovas, duas canecas de manhã.

Talvez você devesse aparecer.
Me fazer feliz.