quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Amantes

O cheiro de café perfuma a casa, o vento bate na porta são ondas quebrando. Lá fora é tudo solidão. É possível um farol romper a escuridão, na mesma sintonia ofegante da sua timidez.
Você fica parado, joelhos juntos, os lábios semi abertos quase deixando escapar uma frase, que seria algo bobo, seria: você é toda a beleza. Eu riria, parece que você sabe, e não diz nada porque o que gostaria de dizer acabaria em dois lábios unidos em paixão febril.
É um rito iniciante. Há, em você, todo o compromisso, a ansiedade, espera, coração acelerado, e parece piorar quando você nota minha tranqüilidade. Eu gosto de observar, vê-lo desviando o olhar, se agitando, levantando e balançando os braços sem parar. Eu rio. Você fica sem graça, de pé. Levanto, a caminho do mar, tiro o vestido. Depois de ganhar alguma distância você nota a chance e corre ao meu encontro. Parados, paralelamente, nos encaramos algum tempo, você fingi não notar minha nudez. Suas mãos estão nos meus cabelos, os dedos deslizam pela face, te beijo.
Você ainda tem os olhos fechados quando me afasto com um riso, corro ao mar, a água é gelada, já passou das dez, ela me toca lentamente, o frio corre a espinha. Você logo atrás, parece que não consegue parar de me beijar, beija meu pescoço, minha nuca. O céu está bonito, há muitas estrelas.
Você me cansa, não repara o céu, não repara o mar, a lua está no céu, está no mar. É igual a todos.
Estivemos no mar, na casa. Nunca no céu, sua imensidão, nunca será nossa, será sempre minha solidão.
Partilhá-la seria um jeito insano de entrega.

É a única coisa que nunca poderá me pedir, mas você não vai. Ela é sempre ignorada, por ser posta como ferida aberta que ninguém espera cicatrizar.
Ela sempre sangra e quando é hemorragia causa aplausos. Sangra pelas bordas, frestas, sangra na mesa do bar, na festa. Às vezes eu a recolho, a mantenho estancada e penso um novo amante. Ela sempre rompe e lava o outro, eles se vão e a dor dos pontos nunca nota que será hemorragia novamente.

El dulce aroma de Ron é o suicídio a cada ponto.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Undead

Ela gosta do café bem amargo é o jeito que encontrou de comprovar a vida. O nível de amargura é como sobreviver àquele encontro em que os dois sabem o que os espera, que é só uma questão de ritmo para que dancem tranquilamente por vários salões.
É uma questão de espera, as mãos são tremulas, a garganta coça, o estômago em jejum.
Ela tem convicção que nem todo café pode vir acompanhado com um biscoito, embora seja o que todos procuram. Nem sempre há oportunidade, ou tempo suficiente, para a água tônica e então acabamos carregamos, sempre, as experiências anteriores. Assim, o café nunca é somente café, é qualquer outra coisa que agrada no primeiro gole, mas é apenas uma questão de tempo até aceitarmos sua amargura.
Todo o açúcar é adereço, o disfarce para toda nossa necessidade. Aceitar é só uma forma de se condicionar, que mesmo com outras torrações é sempre igual, é um ritual, é sempre o mesmo, não faz diferença, mas dá o sopro de coragem: Nous sommes mort!
Ela gosta do amargo do café porque por mais que seja sempre igual há sempre um consolo no primeiro gole: Nous sommes vivants.

Nous sommes malheureusement morts-vivants.



Viver ou morrer é só acaso, não ao acaso.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Começo de ano é, tudo, abandono.
........Às traças. Às taças.
O copo sempre cheio, a cabeça sempre cheia e o corpo
......................................................................................parindo.

A consciência na gaveta. O sexo na mesinha. O sexo..

Começo de ano é, tudo, pó.
..............Às traças. Às desgraças.
A cabeça sempre cheia, o corpo sempre cheio, o copo
.....................................................................................perdido.

Belas frases e poemas é a ressaca evitada.
O copo sempre cheio, o corpo sempre cheio e a cabeça
.....................................................................................explodindo.

Outra dose. Mais uma. Vinte. Que seja, me vê logo uma loucura pra viagem.