sábado, 10 de outubro de 2009

Do antes e adiante.

Só sobrou apagar a luz. Foi a última a sair. De tudo aquilo que chamaram de lar restara apenas o calendário na cozinha, este ninguém quis levar. Brigaram pela tevê, dvd, o som. Ninguém quis a cama, virou presente. Ela quis as fotos, do tempo que ainda era bom, o jeito dele dizer o mesmo foi furtar-lhe o caderno de desenhos, do tempo de bar, de desenho em guardanapo, de beijo vermelho no espelho formando moldura, o jeito de matar a saudade de um dia de ausência.
Ele arrumou os DVDs, os vinis, os CDs. Deixou pra ela os favoritos, era o jeito de dizer: não há mais tempo..
Ela pegou o primeiro livro dado de presente a ele, que veio sem dedicatória, e pintou: e todo o pra sempre que nos for permitido. Foi o jeito de dizer ‘fizemos o possível’.
Era tudo eles, o quarto, a cama, a sala, a cozinha. Era eles desistindo.
Era eles a cinemania. Era eles a musicmania.
Faziam tanto sentido um pro outro, que ninguém teve tempo de questionar. E por um instante esqueceram o mundo. O mundo e todo momento de antes e tudo que seria depois de antes e do que seria de antes do instante e resolveram que eram felizes – o erro crasso. Pecaram por não serem medíocres, por sonharem um dia, por não se limitarem a um primeiro encontro, mas por escolherem todos como primeiro.
E um dia o que era lógico passou a incomodar e resolveram questioná-los, eles tentaram alegar ilógica dentro de uma lógica só deles. E bastava. E então se acharam injustos e infiéis, descobriram que não havia nada que justificar, depois de terem feito isso tanto, e agora sobrara o calendário na parede. O que sempre sobra; os dias de antes.

3 comentários:

Ronzi Zacchi disse...

Adorei o microconto. Bastante tenso e dá para sentir no ar aquele gosto amargo de fim.

Laís Nóbile disse...

Ele está com alguns problemas, mas vou guardar um tempo pra melhorá-lo, o ideal é intensidade do que eles foram

Ronzi Zacchi disse...

O autor sempre está descontente com a obra, pois só ele pode imaginar como ela deveria ser. O leitor, pelo contrário, usa a obra como trampulim para a subjetividade.