Depois, saímos juntos, mãos dados. Logos elas, tão minhas, tão sós, agora passeiam unidas, distribuindo sua ternura que é de poucos.
Toco-lhe a face, num desses gestos maternais, e sinto como se nunca mais fosse se afastar de mim, socorria-me de perto de minha própria solidão.
Pouco antes, um daqueles dias de intensa atividade criadora. Queria devorar todas as palavras, os dedos digitavam com raiva com vigor de destroçar a alma. Saí morta da sala e a noite já se anunciara há horas. Percebi que o momento de consciência anterior fora na pausa do café, não notei os outros me deixando na sala só. Sofrivelmente só.
Quando me dei conta do transe, arrastei-me, morta, ao destino, me pareceu terrivelmente aceitável o regresso. O triste regresso, já sem o trânsito, sem o público, sem a inquietação e com a insuportável tranqüilidade de rejeitar o convívio. Vazia. Na incômoda quinta-feira esquecida da existência.
Ainda frígida pisei no elevador ao encontro do único verdadeiramente humano que freqüentava o lugar com sua doçura, com seu modo, ao mesmo tempo tímido e ousado, de discordar com tudo e me buscar como aliada. O jeito de achar minha mesa cheia de café para tirar-me da consternação, ou de achá-la, só, e mostrar sua presença com algum doce ao em cima dos papeis. O relacionamento que só tínhamos ali, na ausência dos outros, parecia que o público nos afligia e prontamente mantínhamos nossas piadas internas, nossa personalidade comum e nossas vidas distantes.
Ele me tirou um sorriso. Foi curioso o encontro, dessa vez ele me deixou morrer, não me resgatou de mim como costumara fazer. Mas então notei que não era um resgate o que fazia, e sim um sopro de vida, como naquele momento que me roubou dos lábios o sorriso.
Era dado à casa e sempre precisou de companhia, por quê não me procurou antes?
A conversa que mantínhamos foi atacada pelo elevador que se resolveu ficar e nos manter presos ali, como presos a um destino comum. Acho que ele interpretou com maior requinte, já que era preso aos detalhes e aos hábitos, ao apelo da circunstância. E o vi, aproximar-se, como numa revelação, a tocar-me com fúria e pressa. A despentear-me como num favor aclamado. Como se a mim me desse a chave para nunca mais precisar-lhe.
E então pensei naquela que o esperava em casa, pensei nele com pena. Senti dor por ele. Queria pô-lo em meu colo para acabar com aquela aflição que o mantinha preso as minhas coxas. E tentei, sobriamente, acalentá-lo lembrando-lhe que era querido, que era esperado com ansiedade em casa. Mas não queria ouvir-me, apenas saciar sua vontade de mim. Tentei buscar argumentos que explicassem aquele anseio. Ele então chorou e deitou-se ao meu lado assim que saciou sua busca. Ainda sim parecia vazio, aos prantos. O recolhi nos meus braços, acariciava seus cabelos e beijei sua testa, como uma mãe faria por um filho que a mortificasse. E então beijei suas lágrimas, seus lábios e deixei que me levasse pelas mãos longe do medo e do fim.
Um comentário:
Nunca estará pronto e nunca estarei satisfeita,
Esse é daqueles necessários para que morra em mim.
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