sábado, 4 de maio de 2013

Querelas

Ela dança. Ela pensa que dança só por ela e para si. O que ela pensa que não sabe é que isso é só mais uma demonstração de sua vaidade solúvel. À medida que dança, seus olhos se desviam a procura dos que a seguem, nessa circunstância são pelo menos quatro os que lhe interessam foco. Assume admiração por um dos pares; o outro é desprezo.

Ela sai e dança. E bebe. Ela pensa que a olham. E pensa que o despreza e que se vinga à medida que sorri para o outro.

Ela sai e pensa que dança. Sua vaidade lhe controla os movimentos. Ela finge que não dança organicamente com seus gestos pré-concebidos. Ela queria conhecer melhor as regras.

Ela usa um batom vermelho e julga vaidade. Ela deixa de fazer as coisas que acha que gosta em nome do que considera necessário para formar a persona que as manipula. Assim como a construção de um adereço complexo exige um plano, ela tem o seu. Ela ajusta minuciosamente os detalhes para criar uma estrutura sólida que lhe trará uma segurança que ninguém pode lhe oferecer e ela sai.

Ela pensa que é segura e dança. Dança com os olhos fechados e os braços abertos. E pensa que alguém a olha, ela reconhece os olhares, mas timidamente se fecha. Ela só quer chegar a casa, tomar seu chá, livrar-se das orações e ressignificá-las.

Ela dança. Ele olha. Ele se aproxima e nada diz. Ele pode cheirar seus cabelos, tocar sua nuca, tirar-lhe a roupa e deixá-la nua, só não pode levar-lhe as ilusões. E ele leva.

Talvez ela tenha saído - não se sabe -, talvez tenha se perdido, sufocada. Falta-lhe o sentido para explicar o que passa e despreza-se. E na tentativa de se compadecer se transmuta no outro e na alteridade o despreze. Como enojar-se no reflexo do outro.


 E mergulha: nesse rito dansa, sinuosamente, ansiosamente.

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